Enfª Marisa
Mar.5.2062
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O cheiro de quase nada...
como se o vazio também tivesse sido um jardim
de cuja ancestral memória apenas tivesse podido subsistir este aroma
estranho e familiar. A limpeza do quarto
e uma ausência indefinível fizeram-me sentir mais intrusa
que numa cama alheia, ruborizada pela vergonha de viver
como se estivesse a comer frente a uma criança transparente de fome,
inquieta como se não fosse este o mais redundante pormenor
dos meus dias. Já não sei porque escrevo o que já sei. Porque não serei capaz
de inventar a vida que aqui deixo escrita?
O Professor morreu.
O Professor morreu.
Duas horas antes de dizer “Olá, Mar!”
com o seu sorriso terno e azul, como não existirá
em mais nenhum rosto.
O dia continuou
passou
correu
parou
não sei. Não o vivi. Não o admiti em mim.
Não o aceitei da cor dos outros dias. Não...
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6 comentários:
Belo!
Mais um texto soberbamente bem escrito. É bom visitar-te e encontrar qualidade assim. Os meus parabéns pelo Extensa Madrugada.
Abraço
O que mais dóis é sobreviver a quem amamos.
E aceitar o volver dos dias à sua passagem... e o contínuo esquecimento que os vai matanto uma e outra vez dentro da nossa memória, por mais que assim o não queiramos.
(coisa gira: até este post julgava-te do sexo masculino)
obrigado a todos pelo estímulo da vossa leitura.
para uma melhor integração deste texto no conjunto de textos que eventualmente se lhe seguir, sugiro que não passe despercebida a data em que a narradora deste trecho deixa a sua reflexão escrita.
Jorge :)
Só hoje li - e gostei muito de o ler.Um abraço
Notei a data, Jorge: jogo de máscaras, de tempos, short story de antecipação? Bem escrita, interpela-nos.
Um beijo
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