domingo, junho 18, 2006

plúmbea amargura

arrastas-te p’lo chão
como uma solidão velha;
esmagas-me p’lo caminho
numa ânsia de terror
e poder;
mas perecerás ao lume
dos mistérios antigos
da escrita e dos sons.

21.06.02
(in prosa perdida, 2002)

I.


há que aprender (com os pássaros) a morrer
e deixar
que a brisa nos consuma

e saber ver
a preto e branco
(sem amar demais a melancolia)

e aceitar a beleza da ilusão construída


17.02.02
(in
instantes de perplexa aprendizagem, 2002)

sexta-feira, junho 16, 2006

XX

num afago ansioso de
memórias da cor dos unicórnios
o mundo engendra
uma teia de sonhos nas folhas
virgens do meu desassossego

enleio-me nos seus
bosques sem clareiras como
se me dissecasse –
barriga aberta ao vento
peito entregue à brisa quente
da imaginação

uma viagem de tempo
entre dois crepúsculos
banha-me de perspectivas
vazias sobre o anúncio da
minha morte, historicamente
tão perto, e presente como
o cheiro a ratos no sótão

01.06.03
(in o mundo e um pouco mais, 2003)

quarta-feira, junho 14, 2006

sem título

vilipêndio doentio
da virtude – um fustigar intenso
do véu interno e inocente;

(vigília enferma, labirinto hipnótico
e vão, inconsequente e triste)

vaticino-me uma morte
sem nome – gota de mim no vácuo
vislumbrado atrás do pano;

(a lua segue-me os passos, vacilantes
e aturdidos, de olhos velados)

veste-te, vento, de brisa
e leva para longe o veneno
das cinzas da minha vontade.

06.12.03
(in a língua secreta do egoísmo, 2003)

sexta-feira, junho 09, 2006

4


redundância

quero um dia outro
um dia antes
um dia sem mundo
um mundo sem dia

(vê o horizonte sem traço definido
sem cor distinta no céu e na terra
de contorno sinusoidal
em pedaços separados por nadas azuis)

um som sem vibração
uma cor sem vibração
um coração sem cor
uma acção sem dor

e as gaivotas de asas cristalizadas
e os colibris de asas cristalizadas
e as cotovias de asas cristalizadas
e os gaviões de asas cristalizadas

e os homens de asas cristalizadas


(um dia sem mundo
um mundo sem dia)


quero um século sem mim
quero-me sem um século de mim

03.02.04
(in imanências, 2004)

sexta-feira, junho 02, 2006

2



era uma vez no infinito


o requinte de deus consiste na distância

palavras onde nem uma gota de sangue
cabe sem que o sentido se dissolva
em
heresia capital

“há uma lúcida entrega
onde deixou de haver fé”


no infinito, não há palavras esquecidas

sempre que vier o demiurgo
ao mundo incriado
será estrangeiro

“pela mesma lógica
que fez nascer fé”


e deus será filho ilegítimo
de um pai onírico e sem memória

“no lugar da oferenda cega”


morre-se em silêncio, lá.


02.02.04
(in imanências, 2004)

tempo

tempo intuição
projecto desgovernado
imprevisível refúgio

de e para dentro de deus

(in mar branco, nudez insular, 2005)