segunda-feira, outubro 31, 2005

vã acuidade



vejo inutilmente o sentido
do possível deslizamento
ao alcance de nenhuma
força minha
das sedimentárias
agressões arenosas
da estupidez insensível

(sorrio como um rato
aos miseráveis que
pagaram mais uma
volta da roda colorida)

22.09.03

(in 2 /3 e outros poemas, 2003)

terça-feira, outubro 25, 2005

o azul era vento

o azul era vento, 2005

aguarela (Winson & Newton, Cotman series)

s/ papel Fabriano, 18 x 24 cm, 200 g/m2


quinta-feira, outubro 20, 2005

26


para ti, Céu
como tudo o que sou
é teu
de mais a menos infinito,
qual "animal aflito"


encontrei-te
suspensa
na flor em que
te perdi.

vem
de olhos fechados
pelo vento
nas minhas asas
trémulas
de colibri.

não deixes
que o tempo
se esfume,
agora,
numa nuvem
escura arrastada
pela inércia
pura.

desce dessa
para outra flor
e renasce
nos olhos
ardentes do
colibri que te
segura.

10.06.03
(in
um barco de papel para Afrodite, 2003)

segunda-feira, outubro 17, 2005

sem título


o murmúrio do meu roçagar por ti adentro, imita o arco-íris de uma ave-do-paraíso,
e desfaz-se em silêncio tumultuoso, como dança nupcial ou espasmo pírrico.

24.01.04

(in horizontes de ouro, 2004)

quarta-feira, outubro 12, 2005

cena em tempo lento


demorei um milímetro a sentir
o perfume de uma queda
(angústia sem porosidade a registar)

vi-te da cor do fundo de mim
e não chorei

caí, depois.


20.01.04
(in horizontes de ouro, 2004)

domingo, outubro 09, 2005

XXII

envolto em cores de cipreste,
coberto pelo manto do silêncio
envergonhado
(- a mortalidade é o pior dos defeitos)
o coveiro acende o cigarro
e espanta olhares curiosos
com um cabecear amalucado

por dentro pensa no infinito,
pinta-o de cores brilhantes
falsificadas
(- nunca o preto foi verdadeiro)
e enterra corpos como farpas
na alma da terra humedecida
pelo suor de escaravelhos e larvas

08.06.03
(in o mundo e um pouco mais, 2003)

sexta-feira, outubro 07, 2005

13

queria dizer árvore e não capto
mais que a luz que não há
por detrás daquela folha que não vejo

disse árvore e o vento saudou o ar
embatendo na luz que me devolveu
o verde entranhado nos veios

digo árvore e é o sol que desenho
quebrado pela sombra de um galho
partido que deixei suspenso no sonho

Jul.30.MMV

quarta-feira, outubro 05, 2005

XX

num afago ansioso de
memórias da cor dos unicórnios
o mundo engendra
uma teia de sonhos nas folhas
virgens do meu desassossego
enleio-me nos seus
bosques sem clareiras como
se me dissecasse –
barriga aberta ao vento
peito entregue à brisa quente
da imaginação
uma viagem de tempo
entre dois crepúsculos
banha-me de perspectivas
vazias sobre o anúncio da
minha morte, historicamente
tão perto, e presente como
o cheiro a ratos no sótão

01.06.03
(in o mundo e um pouco mais, 2003)

domingo, outubro 02, 2005

14


novos diálogos adâmicos


e deus disse:

faça-se
a (tua) morte
à imagem
da (minha) vida


e o homem disse:

seja feita
a minha vontade
assim em mim
como no fundo de ti


e deus viu que isso era bom


e o homem disse:

faça-se
a (minha) vida
à imagem
da (tua) morte


e deus disse:

seja feita
a tua vontade
assim em mim
como no fundo de ti


e o homem viu que isso era bom


15.02.04
(in imanências, 2004)