terça-feira, janeiro 22, 2008

livro de orações





/primeira



senhora, em teu poder finito e aleatório confio
as minhas preces de ontem e de hoje.

entrego às tuas mãos lânguidas a seiva das
minhas lágrimas
para que nelas banhes o rosto e absorvas
a cor e o sal da minha interioridade.

senhora, em teu poder finito e imperfeito deposito
a esperança de uma luz – não tem de ser brilhante -
basta o calor da verdade e a frescura da paz
para desenhar a pastel um dia com outro tempo.

imploro o abraço das tuas pernas,
dos teus cabelos ondulantes,
dos teus fios de ouro suspensos das asas,
das tuas raízes profundas cravadas no mundo,
o abraço que faça de mim lugar fértil da tua curiosa misericórdia.

senhora, em teu poder finito e inconstante entrego humildemente
o rumo do meu sangue – todo
: do que corre nas veias
e
do que inunda os carris onde desfila inglório
o meu azul final.



vinte: 01, MMVIII

domingo, janeiro 13, 2008

in memoriam Pedro Silva (1977-2008)

Estive hoje na tua terra, Pedro.

Sim, estive lá, e vi a beleza daquele verde que te povoava os sonhos
e cheirei o perfume da terra, Pedro

Ah, e passei pela igreja também, e no caminho pareceu-me reconhecer aquela colina
por onde fugias a correr e aos trambolhões depois de roubar fruta.
Se não era aquela era tal e qual, Pedro, porque eu quase te ouvi a rir.

Estive lá e acho que te encontrei em cada lugar que me descreveste com aquela nobreza só tua, como se cada minuto da tua infância tivesse sido descrito ao teu ouvido por um deus muito pequenino que vivia em ti há tanto tempo. Estive lá, Pedro.

E o que chorei hoje dava para fazer um lago para nadares todo nu se te apetecesse,
e a força que o meu corpo fez contra o peso esmagador da dor teria dado para abrir um vulcão só para aqueceres as mãos no inverno.

Estava lá tanta gente, Pedro. E todos pareciam adivinhar o que eu estava a pensar
porque queriam todos encher o lago e abrir o vulcão.

Quando quiseres vai lá ver se conseguimos.