segunda-feira, novembro 12, 2007

in memoriam Francisco Corado (1981-2007)

partiu
uma parte demasiado grande de mim
para que outras palavras aqui tenham lugar
neste momento

aguardarei que a paz regresse
depois do choque e da tristeza profunda

partiu um irmão
partiu um amigo
partiu muito de mim
que só aquele coração guardou fielmente

a ti, Francisco, querido, que amei tanto,
continuarei a amar
até que as nossas almas
entoem de novo em uníssono
uma canção do festival ou
outra alegria qualquer.

fui muito feliz contigo na minha vida.

segunda-feira, novembro 05, 2007

4º andamento

II

do lugar de quase aqui para cá
não se vê mais do que o vento a
dobrar em dois o mundo

parece tempestade, mas são só
palavras de tédio de quem mora,
mário, entre um lugar e aqueloutro.

do lugar de aqui para quase lá
não se vê mesmo mais nada
senão o azul quieto quando
os olhos se fecham de noite

terça-feira, outubro 09, 2007

4º andamento

I

não te lembras de certeza, mas foste já cristal
num rio de aurora sem nuvens

antes de outonares em ocres e terras queimadas
em sombras e tons pastel, foste a suspensão
da própria cor.

talvez disso te recordes, teres sido vulto de névoa
sobre planície de lençóis cálidos

para te avivar a memória deixo uma canção
sem letra nem melodia, somente o olhar
que a trauteia.

quarta-feira, setembro 26, 2007

XIV

vi o negro palco
acender-se de ti

aplaudo o recital
da tua vida
de pé

a chorar

quinta-feira, agosto 09, 2007

XIII

e era tão de luz a manhã que
a madrugada cercou num
abraço fatal

segunda-feira, agosto 06, 2007

XII

olhei para trás uma vez apenas
e a vertigem desapareceu

a memória é um relógio
com cada ponteiro para seu lado

viveste no preciso instante
em que se cruzaram
à meia-noite

morri às seis e meia
lembras-te?

quinta-feira, agosto 02, 2007

XI

no ponto de viragem
ameaças des(ex)istir

sofres de vida a mais

terça-feira, julho 24, 2007

quarta-feira, julho 18, 2007

quarta-feira, julho 11, 2007

VIII

não é só a tua voz
que me impede
de morrer

a metamorfose
não tem timbre -
e não seria o teu

não és nenhuma
das minhas sete
trombetas

quarta-feira, julho 04, 2007

domingo, julho 01, 2007

quarta-feira, junho 27, 2007

V

no equilíbrio
habita um preço
duro e hediondo

a beleza
é maga
e são duendes
os sonhos
de ontem

domingo, junho 24, 2007

IV

nem no mais ínfimo detalhe
do lugar onde estiveste
deitado
se consegue ler
o teu cheiro
e o teu
suor

domingo, junho 17, 2007

III

o livro de baladas
não foi escrito
ainda

- todas as canções
de amor são
póstumas

terça-feira, junho 12, 2007

quinta-feira, junho 07, 2007

I

cai
uma noite tão grande sobre
o mais completo
silêncio

derruba o luar
dali abaixo
e estende-o ao largo
do desejo

(fim de quase
tudo o que não
merece morrer
hoje)

quarta-feira, maio 02, 2007

no mar, a madrugada...



Vou embarcar durante 23 dias.

Este lugar é vosso. Cuidem dele até ao meu regresso. Percorram os arquivos onde tanto ainda permanece por conhecer e reconhecer.

Obrigado pela companhia silente deste tempo extenso que a madrugada rompeu.

Até breve.

r.e.

domingo, abril 29, 2007

espera

é como um fogo,
o silêncio – uma
opressão no peito
um suspiro trémulo

(o vazio espectral
uma alma doente
como um eco surdo
em gruta sem saída)

nem o vento assobia
nem o ar rumoreja
entre as árvores
nem o lápis sabe
para onde ir já

apenas uma espera
... um silêncio a incinerar ...
apenas um silêncio

29.07.03
(in 2/3 e outros poemas, 2003)

terça-feira, março 27, 2007

2



a luz morna sobre um
olhar fechado
revela-se parca para
o desvendar da inefável
película de sonho que
espreita pelas narinas
quietas quase tranquilas


12.05.03

(in um barco de papel para Afrodite, 2003)

quinta-feira, março 08, 2007

impromptu II - receituário



cada hora de solidão, um milénio de serenidade
cada minuto de olhos abertos, eternidades vazias de luz para não ver, não...
cada passo, léguas que não levem a destino algum
cada suspiro, golfadas de ar para que voe como um balão e veja a vida lá de cima e veja se percebe alguma coisa do mapa
cada olhar de angústia, um telescópio donde possa ver a sua alma a preto e branco como nas fotografias dos mortos

cada vez que acorda, ver o nascer de uma estrela
cada vez que adormece, ver a morte de uma flor



(preciso de mim, e não sei onde me perderam)

08.01.02
(in despojos de lume e de medo, 2002)

domingo, fevereiro 18, 2007

impromptu I - introspecção

sou um espelho sem forma fixa

sou uma luz sem sombra constante

sou um deus sem obra criada

sou uma esfera sem perfeição

sou perfeição sem divindade

sou o que construo do mundo em mim

sou o que o mundo destrói em mim

sou o afecto que não sentes

sou o que sentes no lugar do afecto

sou o vazio que deixas quando aprendes a viver

sou o peso do que me deixas quando queres morrer

sou um em mim e tudo sem mim

sou assim


16.12.01
(in
despojos de lume e de medo, 2001)

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

sem título

palimpsesto infinito
rubor sobre a alma
inconsequente memória
acto leve sob a espuma

(in mar branco, nudez insular, 2005)

terça-feira, fevereiro 06, 2007

sem título

inócuo contemplar
ausência anódina
subjectividade anónima
vicissitudes do ínfimo olhar

(in mar branco, nudez insular, 2005)

sábado, janeiro 27, 2007

2º andamento

V

será dia e o vento
fechará o céu à
chave - não mais
deixará o sol o mundo
neste torpor insano.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

2º andamento

IV

ouves o sol?
são sombras, dizias,
e eram folhas do
livro da minha vida
- soubeste cedo.

domingo, janeiro 14, 2007

2º andamento

III

repicam a dobrar
por ninguém (sim, ninguém
transpôs o belo),
mas a tristeza ecoa
de reverberação em reverberação

segunda-feira, janeiro 08, 2007

#17

por exemplo, o frio perguntava as horas e o coração não sabia o tempo, discurso cego e incontornável, por exemplo, o saber que não se sabe o tempo, pensava o coração, é a brecha por onde espreita outro pulsar, outro ritmo. por exemplo, o reflexo demorava-se e a forma ficava oca de exterior, absurdo já antigo, ser-se órfão do mundo. não! não tão poético – ser oco de exterior, estar sempre com o avesso de fora, não saber onde existirá alguma coisa, por exemplo, ou de que lado virá o sol amanhã. ah! amanhã e é já um vislumbre de intuição do frio ao perguntar as horas, lágrimas do tempo derramadas em vão. por exemplo, uma casa vazia, de tudo, de janela a janela só o sol que ali vive por minutos, como uma explosão que se extingue em silêncio, uma casa vazia de sentido. porquê uma casa então? gruta, ou nem tanto, memória tridimensional, por exemplo, ilha em negativo onde o mar ecoa com timbre pobre e seco. à noite as paredes perguntam ao frio quando é que o mundo volta, e o frio vem ter comigo, por exemplo, confiante na minha ignorância.

xii. 13.MMVI