sábado, janeiro 22, 2005

2. vitrais a preto e branco

O dia avança por ele adentro, de tempo em riste
num acesso de poder inusitado, e desonesto. Violenta-o
na sua inadmitida fragilidade, passeia-se pelo seu medo
como um turista a fotografar um altar, e conduz-se
atrevidamente aos meandros da sua vertigem de futuro,
destruindo o parapeito de esperança com que se resguardava
dessa queda abnegada. O dia passeia-se pelo seu medo, e destrói-lhe
a esperança. Fotografa-lhe instante a instante, a preto e branco, cada
trémulo gesto, cada desconforto ou delírio, cada futilidade. E cola-as num álbum
só seu, a que vai chamando ontem. O dia não sabe disso. Ignoto da própria
crueldade, desliza apenas como quem pensa morrer em cada poente. Avança por ele adentro, e atreve-se na sua vertigem de amanhã.


(in a densidade das almas, 2003)

2 comentários:

Carla de Elsinore disse...

pois bem cá estou, espero que voltes ;)

hfm disse...

"passeia-se pelo seu medo
como um turista a fotografar um altar, e conduz-se
atrevidamente aos meandros da sua vertigem de futuro,
destruindo o parapeito de esperança com que se resguardava dessa queda abnegada."

E valeu toda a leitura!