domingo, julho 10, 2005

6. vertigem


Sussurra-nos o futuro. Geme se não o acreditamos. Treme de angústia e raiva
por quem já o esqueceu. E tem razão. Preocupa-nos a miséria que nos grita
lá atrás. Envergonha-nos o pesadelo estúpido do que aconteceu sem nós. Até
a nossa leviandade em respeitar o presente parece fruto dessa vingança. Cada
dia que nos condena p’la nossa ausência reflecte a fúria de uma inexistente
relação entre aquele rio de tempo e o leito que nos molda a presença.
Uivam lá adiante, por detrás das colinas que distorcem a luz dos anos, cachos
de segundos apressados, infinitas memórias vazias de instantes guardados em
baús de mortos e loucos imortais. O imenso traço negro das noites sucessivas
deixa-se esculpir na nossa materialidade em contornos frágeis. E desse esboço
fazemos a nossa fronteira. Decidimos sobre que solo imaginário depositamos
os despojos de cada ciclo milenar.

17.01.03

(in a densidade das almas, 2003)

7 comentários:

hfm disse...

Para não me repetir, repito-te

" E desse esboço
fazemos a nossa fronteira."

Anónimo disse...

...que se esboçam palavras de ciclos e novos voos...
beijinho grande
www.lbutterfly.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

gostei da sensação desta vertigem e eu que tenho medo das alturas apesar de tudo. abraço

blimunda disse...

j. deixei-te um mix no ante mare. com um beijo grande

mjm disse...

Irredutivelmente vertiginoso:

Envergonha-nos o pesadelo estúpido do que aconteceu sem nós.

lu disse...

gostei muito de te ler. O conteúdo do texto adequa-se perfeitamente ao que estou a sentir neste momento, por causa de tudo o que se está a passar. (nada mais digo, para ver se nos encontramos...) beijo
escreve lu

Nat disse...

Outra vertigem: "Não vai o coração aonde o corpo não vai / emparedado entre penedos / até o grito se contrai." J. Saramago