terça-feira, março 21, 2006

xxviii



não há poema que quebre o cristal sob o pensamento mas
apenas poesia onde a razão se abre voluntariamente ao olhar turvo do delírio
e há quem saiba disso
do lado de cá da lucidez e não saiba dizer
o que vê sem parecer ter-se fundido já
com o próprio reflexo

um sol a escorrer pela calçada recebe os passos afogueados
de alguém que foge tremendo da sua própria sombra
inunda-se acolá um recanto onde outro se afoga todos os dias
depois de saltar borda fora do titanic
o mundo é criado sete vezes antes do almoço e outras tantas
antes do medicamento da noite
o verde é ruivo para aquela mulher que se debruça quase nua
num parapeito gradeado

outro mundo outras pessoas
outra beleza outros medos

a morte é outro mito

a vida outro lugar


há poemas que aguardam que o peso da razão se disperse pelo
azul todo para nascerem sob os pensamentos do outro lado do cristal
há almas que cantam já esses versos
aguardo-te

leio-te ternamente

jan.25.MMVI

3 comentários:

lu disse...

Que bom ler-te! tenho saudades...
A cada palavra, um novo cheiro, a cada letra, um rascunho de lágrimas e de brilho no olhar.

Dizer-te "continua" não é nada.

Gostei muito.

Ana Russo disse...

Preferia que me "visses"... bonitas palavras.

mjm disse...

e há quem saiba disso
do lado de cá da lucidez e não saiba dizer
o que vê sem parecer ter-se fundido já
com o próprio reflexo


e há quem saiba disso
e há quem saiba disso
e há quem
e há disso
quem saiba?
isso