quinta-feira, fevereiro 16, 2006

XIII

a distância a que me encontro de quem reconheço de mim não me deixa sequer sorrir-me nostalgicamente. e é tão banal já dizer coisas destas
que nos envergonhamos de as ter de repetir a propósito
de nós mesmos. são verdades lúcidas em poetas que morrem a
medir as verdades que ficcionam, e são vulgaridades como o enredo
de uma novela má, ou de uma novela qualquer. a poesia roubou
o lugar à vida fora do poema. é só poema, o que deixa e o que não
deixa respirar, o que atrofia e o que estimula. tudo se balança
no trapézio de cristal dos versos imponderáveis.

árvores que sangram não são já gritos nenhuns, uma asa quebrada não faz
vacilar a fé, e até um adeus fica ridículo
fora da desmesura do quotidiano. amar é um anacronismo
irremediável que servia antes para tornar luz as entranhas e vinho a saliva. amar é resquício de divindade envergonhada entre pagãos, e parece
enclausurado num campo semântico paupérrimo entre milhares «amo-te»
dispersos e distorcidos pelas esferas mais virtuais, pelas redes
menos humanas, mecanizadas em chamadas não atendidas e grafias de um tempo que ainda não chegou.

Se a lucidez e o amor perderem lugar dentro e fora da poesia ou vice-versa, se perderem lugar dentro e fora da vida, é porque
há um espaço exterior a ambas as realidades onde a lucidez e o amor se eternizam, protegidos da miséria que nos define.
se ressuscitarmos um dia reconhecermos o lugar
onde se refugiaram? seremos poetas outra vez?

dez.16.MMV

4 comentários:

Rosario Andrade disse...

BOM DIA!!!!!
Muito complexa, a escrita. Cheia de verdades acutilantes e dolorosas... adorei!

Abracicos!

isabel disse...

Seremos?

Gostei muito da tua escrita!

Anónimo disse...

Mais uma vez, brilhante e profunda análise da realidade.

Gostei também de "ver" um poeta a descontruir a poesia.

Bj.

Rita

lésbica só disse...

quandome apetece ler poesia, sei posso vir aqui. bjs