terça-feira, novembro 08, 2011

o único oito do ano




Nem todos os dias a madrugada se adensa assim.

Nem todas as horas estas mãos se esvaziam tanto.



Hoje tudo parece mais inútil, mais estúpido.



Mesmo a dor, adormece inquieta.

Não grita, não se revolta.

Dorme.

Mas nada dorme dentro da dor.



Acho que nunca aprenderei a dizer-te adeus.



oito.xi.MMXI

domingo, agosto 14, 2011

segundo livro de orações


/sétima


pai, chegou o momento do choro
e do esquecimento do tempo


chegaram as míseras lágrimas que
te alimentam, que te sonham líquido
e te afundam o sentido

chegou, pai, o vento manso e quente
que lançaste um dia sobre a minha luz
e me queimou a liberdade de te escutar

pai, chegaram as notas daquela melodia
(lembras-te desse silêncio,
dessa melancólica melopeia que cantei?)
chegaram todas as notas num acorde
tremendo e luxuoso, trítonos sobre quintas,
quartas perfeitas sobre meios-tons de nunca

pai, o som veio buscar-me,
o trovoar das flautas, o ribombar dos
violinos imperiais, o restolhar dos tímpanos,
tudo às avessas numa orquestra muda

mas ainda assim, som

som onde adormeço quando te escuto
som de onde inspiro a morte
em pausas longas de tão breves

chegou o momento do choro
silente como no sonho que rezei, pai

chegaste, e aqui te reconheço
pela primeira vez
só, de novo
nu

onze: 08, MMXI

quarta-feira, agosto 10, 2011

segundo livro de orações

/sexta
 


é o dia eco do teu regresso
são os minutos reverberações
do teu pulsar calmo e apaziguador
são os anos o deserto
de todas as miragens que desenho

sê para mim mais que o tempo
que conheço e invento

é o mês o rio que dos meus olhos
desce para o teu ventre e aí se evapora
são as horas ramos esguios de fantasmas
que a noite esboça se te não sinto
são os séculos planícies onde apascento
a alma que rumina sem fim

sê para mim mais que o tempo
que componho e destruo

é o segundo o fulgor de te intuir
são os meses todos, todas as semanas
aninhadas em torno do teu cabelo,
o berço que te embala o regresso
são centelhas de morte
os batimentos da acelerada pulsação
quando de novo te dou à luz
 
sê para mim mais que o tempo
que choro e esqueço



dez: 08, MMXI

terça-feira, agosto 09, 2011

segundo livro de orações

/quinta


não aceito essa noite que prometes
não caminhei até aqui para silenciar
o mar que os meus olhos despejam
quando adormeces

nem o teu beijo ácido e devorador
me compromete mais com a tua boca
nem com os teus braços que traem
a minha solidão

renuncio à brisa do teu arfar sobre
a minha madrugada - renuncio à
loucura de te beber o vento que
sinto nas veias


(porque te chamo se te afasto
porque te chamo se te amo
porque te chamo se me incendeio
porque te chamo se me odeio)


morreram as corujas em vão
para chegares à minha alma
e eu não estar lá para te matar

foi a lua ressonância do meu grito
será o dia eco do teu nascimento


nove: 08, MMXI

segunda-feira, janeiro 10, 2011

da) entre vi…

um dia disseram-me
: vida,
só uma!

nesse dia disseram-me outras mentiras
mas eu nessas acreditei –
com vontade, como
se crê em tudo o que sabemos falso

acreditei (bah…) que os pássaros morriam
e tudo à minha volta denunciava
o seu canto submerso
nos recantos das coisas inúteis
(sob as toalhas que cobrem
as mesas ridículas, camilhas e
afins, sobretudo as de imitação
barata, e que nem molduras com
fotografias mal tiradas levam
em cima
(atrás dos livros
demasiado novos para esconder
a magia que o meu olhar
discreto lhes confere quando
os desejo folhear de novo,
beber
(entre os

… que os pássaros tinham morrido…

pássaros que nunca voaram,
nunca! mas vivem ainda no sonho
que o seu canto imortal inspira

esses pássaros que morriam
(de mim, em mim, para mim)
recolhiam no bico lágrimas
como orvalho das minhas
madrugadas (lembras-te
do seu sabor?

) – mentiras salgadas

disseram-me que o amor
morria como os pássaros
e eu acreditei, e em todo
o lado o amor se revelava
como um garoto a brincar
às escondidas, inocente
na sua crença pura de
invisibilidade total

(o amor também julga
esconder-se, bah…
mas todos os lugares são
templo e caverna onde
se refugia
todos os sons, mensageiros
da voz que acalenta
a ausência (até o rouco
murmúrio do mar, ou o
desesperado grito de
deus, me trazem a dor
de te escutar, outra mentira…

sobre as vidas da vida, entre
a vida, sob a pele viva
da vida, vidas sem mapa, sem
origem nem fim, de todas as
vidas a vida, sobre essas
não! Morram os pássaros ou
o amor, continuem a morrer
até que o meu coração
desista de acreditar
na verdade.

dez: 01, MMXI

segunda-feira, janeiro 03, 2011

segundo livro de orações

/quarta


espero pela noite que o teu beijo
apagou num sopro branco e lento

espero pela suavidade dos teus lábios
roçando os meus pensamentos
como uma amante dedicada e fiel


espero que a luz da noite que beijas
oculte a sede e a inquieta perda
dos sentidos e do sentido desta espera



anseio-te vestido de branco
adivinho o roçagar do teu olhar pelo
firmamento fora, como se houvesses
roubado o mapa da minha alma deserta

espero escutar o rouxinol transfigurado
de canto rouco e trôpego (trinado surdo
que a noite engole e regurgita com inveja)



- fosse minha a voz que escuto por detrás
da lua, fosse teu o espanto da coruja que
morre, fosses noite e beijo e vento agora.


dois: 01, MMXI