domingo, outubro 08, 2006

#9

por exemplo, vinhas ao longe e o mundo arredondava-se para anular o espaço, o vento ajudava a memória que te distorcia dentro de mim e o sol, embaraçado pelo egoísmo com que nos privou dos dias, escapava para detrás do infinito e não voltava mais. por exemplo, dançávamos a milhares de quilómetros de distância, ao mesmo tempo, sem sabermos o ritmo que embalava o outro, numa sintonia inconsciente, numa sinfonia de maestro incógnito, talvez com o amor como solista, talvez apenas qualquer metáfora aceitável em seu nome. por exemplo, atiravas o olhar para o horizonte e o mar provocava um arrepio nas rochas algures a poucos metros de mim e eu atravessava a duna descalço, em passos irreflectidos como um sonâmbulo, para alcançar o calor que ainda reverberasse sobre as águas como harmónicos da tua voz nunca escutada. por exemplo, um detalhe irregular no quotidiano, um aviso da lua, uma morte inesperada, um vulto irreconhecível, uma ausência do sempre ausente, por exemplo, a presença pesada da teu abrupta inexistência.

x.06.MMVI

4 comentários:

A. Pinto Correia disse...

Esta escrita fascina-me.
Só posso estar-te grato por poder desfrutá-la.

hfm disse...

Ao fim de alguns dias sem computador chegar aqui e ler:

" numa sinfonia de maestro incógnito, talvez com o amor como solista, talvez apenas qualquer metáfora aceitável em seu nome."

será preciso mais alguma coisa?

isabel mendes ferreira disse...

J.

obrigada.



beijos.

Rita disse...

Por exemplo, se o nosso amor fosse um amor impossível, esta era a carta que gostaria que me escrevesses.

:)