sábado, abril 02, 2005

(dia 24 de junho, 2028)

IV


Levanto-me e a manhã sabe-me a cinza, a pó. Talvez seja da madeira do chão, do tecto, ou apenas de mim. Tenho frio. Ouço passos; estou sozinho. Ouço passos novamente. Sobre a cadeira a roupa remexe-se desalinhada, como que acordada de um sonho em que vestia um príncipe. Os passos eram dele, e agora que saiu, ajudo a roupa a encontrar-se consigo mesma, vestindo-a no meu corpo.
Olho para a janela fechada e penso vagamente na hipótese de nada existir para além dela... nem sequer o vazio. Aproximo-me da porta e esta limitação espacial irrita-me. Preferia Ser sem Espaço, ou pelo menos sem Forma, o que já seria suficientemente delimitador. Com um sorriso, ironicamente, a porta convida-me a sair ...
Aceito.
No corredor a ausência de plantas surpreende-me.
Regresso e penso ...

11 comentários:

Hearthy Lovin Greens disse...

tu nao sabes, mas adoro o teu blog...

*

TCA disse...

acho q te vou mesmo assaltar :)

v disse...

Soube a pouco.
As reticências amarguram e criam ansiedade. Ainda que continuar seja por vezes desesperante pois há toda uma eternidade para contar.

Rita disse...

Será assim o futuro?

Espero que não!

Leonor disse...

(...)Mas diz-me... o tempo não tem uma sequência lógica. Isto é, não se apresenta numa linha cronológica certinha... ou as analepses e as prolepses são de propósito?

abraço da leonor

mjm disse...

Engraçado...
A inexistência de 'nãos' não invalida a negatividade, o vazio, a ausência. 'Sente-se' no texto apenas o narrador, rodeado de nens e sens.

A ausência de plantas acentua o e penso vagamente na hipótese de nada existir para além dela... nem sequer o vazio.

Portas e janelas como marcos espaciais a contrastarem com Preferia Ser sem Espaço, ou pelo menos sem Forma.

Há um universo dentro da cabeça e não se está sozinho

PS- gosto destes. gosto destes.
Kiss

hfm disse...

Belo texto, final magnífico!

Anónimo disse...

Há textos que me sabem sempre a pouco... quero mais... e, mais...

Encontro-te em mim, nestes momentos solitários, em que quero sair, mas ninguém me abre a porta.

Tenho que a abrir sózinha. O corredor tem plantas, muitas plantas. Vivo nelas e para elas... mas regresso sempre. Regresso sempre, ao ponto de partida.

Abraço :-)

A. Narciso disse...

Um texto sobre um futuro de holocausto. Gostei muito.
Forte Abraço

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

O Hotel des Voyagers (Reggiani). os teus versos fizeram-me recordar essa canção. Por isso ela volta, ela volta sempre, os dois nunca conseguem despedir-se :-)

musalia disse...

desajuste entre um tempo passado e uma realidade outra, súbita. daí o espanto da ausência das flores...

beijos.