domingo, agosto 14, 2011

segundo livro de orações


/sétima


pai, chegou o momento do choro
e do esquecimento do tempo


chegaram as míseras lágrimas que
te alimentam, que te sonham líquido
e te afundam o sentido

chegou, pai, o vento manso e quente
que lançaste um dia sobre a minha luz
e me queimou a liberdade de te escutar

pai, chegaram as notas daquela melodia
(lembras-te desse silêncio,
dessa melancólica melopeia que cantei?)
chegaram todas as notas num acorde
tremendo e luxuoso, trítonos sobre quintas,
quartas perfeitas sobre meios-tons de nunca

pai, o som veio buscar-me,
o trovoar das flautas, o ribombar dos
violinos imperiais, o restolhar dos tímpanos,
tudo às avessas numa orquestra muda

mas ainda assim, som

som onde adormeço quando te escuto
som de onde inspiro a morte
em pausas longas de tão breves

chegou o momento do choro
silente como no sonho que rezei, pai

chegaste, e aqui te reconheço
pela primeira vez
só, de novo
nu

onze: 08, MMXI

2 comentários:

antena_zero disse...

soberbo, senhor professor :)

jorge vicente disse...

absolutamente magnífico!!!

um grande abraço
jorge vicente