quinta-feira, dezembro 07, 2006

#15

por exemplo, não ter medo de amar. não ter vergonha de morrer, nem ficar confuso com a incerteza. por exemplo, não ter sequer incertezas e só aceitar dentro de si o que já deixou de se poder perder - o falso e o definitivo. por exemplo, ir atrás do tempo buscar a forma das coisas, ou enterrar debaixo da solidão o terror claustrofóbico de ficar fechado neste universo apertado. por exemplo, gritar bem alto o nome que temos hoje, deixar que alguém se volte e nos olhe de frente, nós próprios, num espelho que não existe, pelo menos fora do desejo intrínseco ao próprio existir. por exemplo, não ter receio de não ser único, não ter pudor em revelar-se banal e desinteressante, imensamente inconsequente, até frívolo e fútil, quem sabe se não cruel e pérfido até, ou, por exemplo, ser a própria vileza e maldade atroz personificada fora dos pesadelos. não ter ambições morais, ou esperanças sociais, nem dúvidas religiosas, ou remorsos artificiais, nem mesmo convicções existenciais e ainda menos crenças ideológicas. por exemplo, não ter medo de amar - entregar toda a pele, todo o sangue, toda a dor, todo o ar, todo o sofrimento, a vida e mais um pouco, ao labirinto dos afectos inquebrantáveis.

xii.05.MMVI

5 comentários:

Rita disse...

Que lindo, J.!

Fico muito feliz por te saber ainda aí e por beber as tuas palavras.

:)

Anónimo disse...

Todo o último período do texto! (se as TLBS ainda deixam falar assim ;)

A. Pinto Correia disse...

assumir a plenitude. inteligente e para não variar muito bem escrito.
abraços

Anónimo disse...

bom.

muito bom.


bjs

della

Rita disse...

J.,

Aqui estou, seguindo a tua sugestão, para te dizer:

por exemplo, ler várias vezes estes teus "por exemplo" e adorar o registo;
por exemplo, escrever no mesmo registo, passados uns meses, e nem sequer dar por isso;
por exemplo, constatar de outra forma, esta, o quanto estás presente dentro de mim;
por exemplo...

:) beijinho