sexta-feira, novembro 10, 2006

#12

por exemplo, uma inscrição no tronco morto de uma árvore, com a ilusão de perenidade que tudo o que vive oferece; por exemplo, uma inscrição num grão de areia, lembrando Blake, por exemplo. rabiscar uma anotação de rodapé num livro que não é nosso, trautear baixinho em uníssono com os violoncelos em pleno concerto, por exemplo, uma inscrição inconsequente, morta como o tronco de uma árvore onde um nome e outro nome e uma seta e um esboço de coração de golpes de navalha, por exemplo, um coração feito de ângulos agudos, desajeitados em contraste com a perfeição do sentimento instantâneo dos nomes inscritos.
desenhar no ar com os dedos, em danças coordenadas com o olhar, o contorno de uns lábios que se movem inconscientes do ritual. pisar de novo o verde sobre o qual alguém flutuou, por exemplo, depois de um encontro secreto.
ser eco de um grito calado. recordar em vão todos os detalhes de um momento assaz insignificante. projectar no futuro os sonhos de quem fomos quando éramos outros, permanentemente esquecidos. por exemplo, morrer à nascença ou, o que é o mesmo, no mais completo alheamento que a senilidade autoriza e protege.

xi.10.MMVI

3 comentários:

della-porther disse...

hoje vi outros , além de você a falar de árvores e troncos...muito interessante o texto. ares do outono.

beijos

della

A. Pinto Correia disse...

Reconhecidamente brilhante, como sempre.
Abraços

Anónimo disse...

Pulsação acelarada, subdivisão desenhada no mais profundo improviso de um «coração de ângulos agudos».

Cada palavra nos empurra para a verdade sólida da intuição.