segunda-feira, janeiro 10, 2011

da) entre vi…

um dia disseram-me
: vida,
só uma!

nesse dia disseram-me outras mentiras
mas eu nessas acreditei –
com vontade, como
se crê em tudo o que sabemos falso

acreditei (bah…) que os pássaros morriam
e tudo à minha volta denunciava
o seu canto submerso
nos recantos das coisas inúteis
(sob as toalhas que cobrem
as mesas ridículas, camilhas e
afins, sobretudo as de imitação
barata, e que nem molduras com
fotografias mal tiradas levam
em cima
(atrás dos livros
demasiado novos para esconder
a magia que o meu olhar
discreto lhes confere quando
os desejo folhear de novo,
beber
(entre os

… que os pássaros tinham morrido…

pássaros que nunca voaram,
nunca! mas vivem ainda no sonho
que o seu canto imortal inspira

esses pássaros que morriam
(de mim, em mim, para mim)
recolhiam no bico lágrimas
como orvalho das minhas
madrugadas (lembras-te
do seu sabor?

) – mentiras salgadas

disseram-me que o amor
morria como os pássaros
e eu acreditei, e em todo
o lado o amor se revelava
como um garoto a brincar
às escondidas, inocente
na sua crença pura de
invisibilidade total

(o amor também julga
esconder-se, bah…
mas todos os lugares são
templo e caverna onde
se refugia
todos os sons, mensageiros
da voz que acalenta
a ausência (até o rouco
murmúrio do mar, ou o
desesperado grito de
deus, me trazem a dor
de te escutar, outra mentira…

sobre as vidas da vida, entre
a vida, sob a pele viva
da vida, vidas sem mapa, sem
origem nem fim, de todas as
vidas a vida, sobre essas
não! Morram os pássaros ou
o amor, continuem a morrer
até que o meu coração
desista de acreditar
na verdade.

dez: 01, MMXI

segunda-feira, janeiro 03, 2011

segundo livro de orações

/quarta


espero pela noite que o teu beijo
apagou num sopro branco e lento

espero pela suavidade dos teus lábios
roçando os meus pensamentos
como uma amante dedicada e fiel


espero que a luz da noite que beijas
oculte a sede e a inquieta perda
dos sentidos e do sentido desta espera



anseio-te vestido de branco
adivinho o roçagar do teu olhar pelo
firmamento fora, como se houvesses
roubado o mapa da minha alma deserta

espero escutar o rouxinol transfigurado
de canto rouco e trôpego (trinado surdo
que a noite engole e regurgita com inveja)



- fosse minha a voz que escuto por detrás
da lua, fosse teu o espanto da coruja que
morre, fosses noite e beijo e vento agora.


dois: 01, MMXI