quinta-feira, dezembro 28, 2006

2º andamento

II

a manhã verte lume
no coração do medo (inóquo
e misterioso) de
um dia mais vazio
que o último.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

#16

por exemplo, caía uma árvore sem razão e deus ria-se. de quê?, ninguém se atrevia a saber; saberia-o a árvore se tivesse de o confessar, mas a solidão era um estigma silente. vinhas ao longe... não! já não vinhas. eram imagens, por exemplo, miragens, talvez, imaginário podre e incerto. por exemplo, a chuva suspendia o gesto hiperbólico e sorria no ar. não! deus não se ria agora. só o ser humano se ria da morte. deus só se ria da ordem do mundo, por exemplo, e da perfeição. aplanavam-se as colinas em forma de mulher robusta e deus corava. a memória de deus não era infinita mas pouco faltava para poder nomear todos os corpos esculpidos na orografia terrestre, por exemplo, ou cada um dos recantos sumptuosos e idílicos do fundo do mar. inundavam-se os recessos da alma com correntes de pensamentos livres e deus morria. verdejavam no labirinto verde do espírito ideias de mundos possíveis e deus morria. orvalhavam-se as manhãs da mente em gotas de futuro límpido e deus morria. não! o homem nunca se ria da morte de deus.

xii.09.MMVI

quinta-feira, dezembro 14, 2006

2º andamento

I

afastou-se o mar
de encontro a nós
(de pedra
frágil e inerte -
lágrimas de fora
para dentro do
cansaço)

quinta-feira, dezembro 07, 2006

#15

por exemplo, não ter medo de amar. não ter vergonha de morrer, nem ficar confuso com a incerteza. por exemplo, não ter sequer incertezas e só aceitar dentro de si o que já deixou de se poder perder - o falso e o definitivo. por exemplo, ir atrás do tempo buscar a forma das coisas, ou enterrar debaixo da solidão o terror claustrofóbico de ficar fechado neste universo apertado. por exemplo, gritar bem alto o nome que temos hoje, deixar que alguém se volte e nos olhe de frente, nós próprios, num espelho que não existe, pelo menos fora do desejo intrínseco ao próprio existir. por exemplo, não ter receio de não ser único, não ter pudor em revelar-se banal e desinteressante, imensamente inconsequente, até frívolo e fútil, quem sabe se não cruel e pérfido até, ou, por exemplo, ser a própria vileza e maldade atroz personificada fora dos pesadelos. não ter ambições morais, ou esperanças sociais, nem dúvidas religiosas, ou remorsos artificiais, nem mesmo convicções existenciais e ainda menos crenças ideológicas. por exemplo, não ter medo de amar - entregar toda a pele, todo o sangue, toda a dor, todo o ar, todo o sofrimento, a vida e mais um pouco, ao labirinto dos afectos inquebrantáveis.

xii.05.MMVI

colapso


desapareci
no labirinto em estado líquido de uma alma em chamas frias

24.08.02

(in prosa perdida, 2002)